Vamos brincar?
Tic tac tic tac… 15:30 a campainha tocava e corríamos para casa, voávamos, comíamos bolachas com manteiga e Tulicreme, fazíamos os trabalhos de casa e puff… ninguém nos punha a vista em cima até quase à hora de jantar.
Guiávamo-nos pelo sol e pela laranjeira do quintal: quando deixasse de fazer sombra eram horas de voltar para casa.
Não tínhamos telemóvel, ficávamos a chamar os vizinhos à janela, combinávamos o encontro no chafariz… Cá nos desenrascávamos.
No nosso tempo haviam macaquinhos do chinês em todas as paredes livres e macacas (desenhadas com restos de giz que trazíamos da escola à socapa) no alcatrão preto. Depois, a mamã dava licença em cada corredor.
Roubavam-se uns bons 2 metros de elástico da caixa da costura da avó, aquela lata de bolachas de manteiga azul: era para saltar!
As vezes, pedia-se uma corda velha ao avô e saltávamos com ela também, umas vezes com amigos outras sozinhos, e, quando dois era conta certa, a árvore do quintal substituía um, assim já dava!
Jogávamos à apanhada, rasgávamos fatos de treino nos joelhos e camisolas na cova do braço quando o puxão era forte.
Fazíamos bolos de lama com folhas verdes do quintal da avó. Sempre com o cuidado de não arrancar a salsa ou a hortelã, porque essas eram das boas.
Quando éramos muitos, jogávamos às escondidas, todo o cantinho era um potencial esconderijo e que giro que era ver a prima já em desespero a dizer: vá lá, já não tem piada, assim vou me embora!
Se éramos só dois fazíamos jogos de palmas: se tu visses o que eu vi, dó-mi-nó, à porta do tribunal, as cuecas do juiz embrulhadas no jornal...
Quando éramos miúdos qualquer pedra desafiava a imaginação, qualquer árvore era uma casa, qualquer manta no sofá era um forte impenetrável.
E hoje?!
Hoje saímos à rua e temos miúdos em busca de seres imaginários de olhos colados no telemóvel, sem reparar no ninho de melros na árvore ali ao lado e indiferentes ao cão que ladra à sua passagem.
Temos miúdos fechados em casa, a olhar para uma ação com piratas e cowboys virtuais desenrolada no ecrã. Temos miúdos que não sabem o que é o aí vai alho, que não conhecem o um, dois, três, macaquinho do chinês, que não jogam ao limão mas que querem ser youtubers.
Será que os nossos miúdos já não jogam a apanhada? Será que já não há cochichos de miúdas pelos cantos ou jogos da bola?
Os nossos filhos já não brincam?
Para além da escola, das boas notas, das aulas de música ou da explicação, o brincar deve lá estar. Deve fazer parte do dia, deve ser levado a sério. Sim, a brincadeira é uma coisa séria, pois é a brincar que crescemos. A brincar imitam-se os adultos, reproduzem-se exemplos, criam-se laços. Quem não se lembra do melhor amigo da escola primária?
Vamos brincar, principalmente com outras crianças, o é de extrema importância para um desenvolvimento saudável.
Não podemos ignorar o progresso, nem o fascínio pelas novas tecnologias, mas podemos ajudar os nossos filhos a equilibrar ambas as coisas. E como? Brincando com eles! Tirando um bocadinho do nosso tempo com eles para jogar à apanhada, às escondidas, para lhes ensinar uma ou duas lengalengas, para dar toques na bola ou ensinar a saltar ao elástico.
Tirar partido das tardes chuvosas de domingo com jogos de tabuleiro: ainda se lembram do prazer que dá levar o outro à bancarrota no monopólio???
E agora que a máquina do tempo já aterrou, vamos brincar?
Andreia Mendes