Como falar da morte com as crianças?
Só agora consigo sentar-me a escrever sobre a história do Julen…
Julen era o segundo filho de José e Vicky, um casal de Málaga, apaixonado desde o liceu. O primeiro filho, Óliver morreu quando o Julen tinha apenas meses. Se ficássemos por aí, a vida já tinha sido bastante cruel para aquele pai e aquela mãe.
Julen deu forças aos pais para continuarem, aquela força que uma criança vivaça transmite com o seu olhar, as suas brincadeiras, a ingenuidade pura de quem acorda todos os dias com um sorriso.
No dia 13 de Janeiro, Julen caiu num poço. E com ele o mundo todo. Aqueles dias de espera foram de respiração suspensa na esperança de o encontrar vivo. Quando o encontraram, já morto, dei por mim a maldizer a vida, a colocar-me empaticamente no lugar daqueles pais, e sinceramente não consegui. Àqueles pais, que não lhes imagino a dor, peço que a vida lhes dê um sentido, uma força para sair daquele poço.
Uma das minhas alunas mais inquietas questionou-me passado dois dias se eu já sabia que o menino do poço tinha morrido. Respondi-lhe que sim, com um olhar triste. Seguidamente, esboçou um sorriso (as crianças possuem outra leveza) e disse:
– A minha vózinha também está no céu. Eu já pedi para ela ajudar o menino.
Conversar com uma criança sobre a morte é algo que assusta os adultos (pais/educadores). É um assunto tabu, delicado para os adultos, espectável que nunca aconteça, mas a realidade é que é importante, uma vez que é um acontecimento natural e inevitável.
Como falar da morte com as crianças?
A forma como a criança vivência a morte depende de muitos fatores, da sua idade, do seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial, da personalidade e da cultura, entre outros aspetos. Também a forma como o assunto é abordado deve depender desses fatores.
Para abordar esta temática, a comunicação é fundamental, pois é necessário que a criança adquira competências para entender e encarar a morte como algo natural. Efetivamente, não existe um método mais correto nem definido. A forma como os pais e /ou os educadores abordam esta questão espelha sempre a sua maneira de pensar a vida, as suas crenças e os seus sentimentos.
Crianças até três anos não conseguem compreender que a morte é algo irreversível e definitivo. Mas entendem a ausência de alguma forma (com o tempo, entendem que já não vão brincar mais com essa pessoa, ou que a pessoa em questão não os vai buscar mais à escola).
Já as mais velhas podem perceber que a morte é algo natural, mas necessitam de explicações mais concretas (fazem perguntas mais específicas e necessitam de mais respostas).
A partir dos 12 anos, a criança começa a entender melhor o processo da morte, mas ganha também uma resistência maior à ideia de perda definitiva.
Independentemente da idade, o processo de luto terá sempre que ser apoiado por um adulto atento que escute a criança e responda com amor, paciência e sensibilidade. Terá de ser um adulto de referência para a criança e, caso sinta que a criança está a viver o processo com demasiada angústia e terror, deve procurar apoio especializado. A educação das crianças é feita a muitas mãos e muitos corações!
A morte no brincar
Na minha profissão, já observei crianças a brincar, e o tema da morte surge nas suas fantasias e brincadeiras. Este tema surge, desde cedo na idade pré-escolar e causa curiosidade, medo mas interesse. As crianças exploram o tema com a ferramenta que usam para descodificar e explorar o mundo: o brincar.
Segundo alguns investigadores da área, o brincar possibilita que a criança expresse os seus sentimentos, as suas angústias e as suas fantasias referentes à morte, sendo este um valioso instrumento para explorar esta temática. O ato de brincar permite que a criança entre no seu mundo e lide com as suas dificuldades. Assim, os adultos devem incentivar a criança a brincar e estender a duração desses momentos, se verificarem que está a ser vantajoso para a criança.
Sofia Mendes – educadora e professora do 1.º Ciclo